As batalhas do “Mundão” em 2020
Créditos: Hospital de Campanha montado no João Hora de Oliveira, entre os meses de maio a setembro. Fonte: Portal G1
Por Henrique Maynart*
O Novo Coronavírus deu ao Estádio João Hora a maior média de público dos estádios sergipanos de maio a setembro, sem bilheteria. Triste dado. Excetuando o empate súbito contra o Boca Juniors na primeira fase do Sergipão 2020 num domingo ensolarado de janeiro, salvos por Renato Camilo dois minutos após o susto de uma derrota em casa, o “Mundão” do Aribé recebeu as maiores partidas do ano – talvez as maiores de sua existência cinquentona – após a suspensão do campeonato sergipano de futebol.
Justamente no ano que completou 50 voltas ao sol – a data cravada sob o inverno meeiro de julho – o “Mundão” recebeu exatos 461 homens e mulheres com transtornos respiratórios de baixa e média complexidade na vigência do Hospital de Campanha.
O primeiro paciente deu entrada em 21 de maio, o último teve alta em 18 de setembro. Cento e vinte dias de suor, agonia, gaze e curativo espatifados sob os toldos que amarelavam o gramado e sob a brisa dos “mata fome”, árvores que sombreiam o cimento das arquibancadas.
A casa do Club Sportivo Sergipe, mais que habituada a perder o fôlego em bando nas partidas mais difíceis, teve de lidar com os pulmões endurecidos pela pandemia. Suspenso desde 17 de março pela Federação Sergipana de Futebol- nem deu tempo de comemorar o aniversário de Aracaju – a segunda fase do Sergipão 2020 só retornou os trabalhos na última semana de julho.
Destituído dos gramados do “João Hora”, a vida complicou ainda mais pro Sergipe. Segundo colocado no estadual até o momento, sem calendário nem lenço nem documento, o clube teve que reorganizar elenco e mandar os treinos em Carmópolis, a 50 km da capital sergipana. Retorno questionável até o momento, tendo em vista a oscilação da contaminação que assola os gramados de todo país. Decisão é decisão. Manda quem pode, o resto da história já se sabe.
Dezenove jogadores recrutados e comissão técnica a todo vapor em Carmópolis, uma tropa de profissionais da Enfermagem, médicos, assistentes sociais, fisioterapeutas e psicólogos no esquema tático do “Mundão” do Aribé. Cada qual com sua trincheira, cada qual com seus dilemas.
O Batistão, esvaziado de gente e barulho, seguiu o eco das bolas estouradas nas placas de publicidade e os gritos do banco de reservas. O Sergipe encerrou o estadual na segunda posição, um mísero gol de saldo o separou do trigésimo sexto título estadual em 2020. Marcão, goleiro e capitão, indicado a craque do estadual. Daniel, Anselmo Tadeu e Ageu escalados na seleção do campeonato, Foiani eleito o melhor técnico.
Do outro lado da cidade, a equipe do João Hora passou a régua em 18 de setembro com saldo de 343 pacientes recuperados e 28 óbitos. Gente de carne e osso não deve comportar a câmara mortuária das estatísticas, sabemos. A vida se mede por mais retas que uma planilha de Excel. Mesmo em meio a todos os escândalos e denúncias de favorecimento e ilicitudes contratuais sob o Hospital de Campanha junto à Prefeitura de Aracaju, o protagonismo do time da Saúde é inquestionável desde o início dos trabalhos da pandemia.
Etevaldo Teles, colorado, internado com síndrome respiratória em meados de junho, teve o luxo de se tratar nas barbas do João Hora, praticamente um atendimento domiciliar. Curar os pulmões na casa em que os colorados estão habituados a perder o fôlego. Privilégio dos bons.
Calendário devidamente recuperado para 2021, o Sergipe retorna aos gramados em 20 de fevereiro contra o Maruinense no coração do Vale do Cotinguiba. Marcão, Ageu e Foiani seguem com a equipe colorada.
Que as médias de público de 2021 superem – se assim apontarem as condições sanitárias – as ocupações do João Hora. Que o fôlego curto parta somente dos dilemas de cada partida. Que seja restabelecido – caso haja condições e segurança – o direito sagrado de sofrer e vibrar na beira dos gramados.
Que o João Hora não comemore outro cinquentenário sob os leitos, jalecos e termômetros que tabelem sob a agonia da vida e da morte. Que 2021 não nos falte ar aos plenos pulmões estufados em euforia e gol.
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Jornalista, aracajuano e colorado. Tabelando palavra pra escapar da marcação individual do tempo. Vivendo em drible e lançamento invertido pelo gramado do mundo. Fintado e canetado pelo destino.
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