@alexcalheiross

Lembro como se fosse hoje do dia em que meu pai, português, ofereceu-me um presente como se estivesse me entregando um pedaço de si mesmo. Faz mais de 40 anos. Uma herança em vida mais valiosa do que qualquer outra fortuna. Guardei e a repassei para os meus descendentes. Repeti o gesto do meu velho convicto sobre a importância do ato. Isto porque há tempos o maior desejo de um pequeno vascaíno sempre foi o de vestir o mesmo traje dos craques cruzmaltinos que desfilavam as próprias habilidades com a bola nos pés. A camisa, o calção, o meião listrado e até mesmo aquele famoso tênis da época que se assemelhava a uma chuteira, tinham poder transformador e sagrado.

Eles estavam no futebol de botão, nas peladas e claro, principalmente, no coração e na alma do torcedor. Vivíamos uma relação imaculada, incontestável, incondicional… Os jogadores eram super heróis. O clube então nem se fala. Se os atletas eram divindades, o Vasco e São Januário serviam-nos como Santuário. Berço esplêndido e celestial. Nada e ninguém, jamais, ousaria questionar tais valores.

Os anos se passaram, o mundo mudou, as relações líquidas chegaram as quatro linhas e a fluidez da afetividade tornou-se fugaz. Os ídolos dos gramados, se é que eles ainda existem, não são mais referências. A devoção pelo clube atende interesses pessoais e toda aquela atmosfera do passado ficou em segundo plano. O sagrado virou profano e a velha e emblemática frase escrita na parede de São Januário diz muito pouco nos dias de hoje. Temo que meus netos jamais entendam o que significou aquele presente que o bisavô e o avô tanto valorizaram. Temo que a imortalidade esteja ameaçada pela falta de compaixão dos corações que desprezam o que de fato é fundamental: o Vasco. Recado dado.